terça-feira, 25 de agosto de 2015

Deixo queimar

[...] como se fosse o último, ou como um copo d'água que vira neblina se eu não o tomar, ou como uma enxurrada que desce e se esquece de onde surgiu e não sabe onde vai terminar – se é que termina, e se é que as coisas se fazem mesmo de início, meio e rodeio, do jeito que humanamente pensamos e concebemos e bebemos e fumamos e estranhamente nos apaixonamos.

Porque às vezes é preciso deixar os números e o verbo, estas cifras que engenhosamente inventamos para'qui navegar, neste pedaço de mundo que está longe do fundo e dos olhos de Deus – que também é verbo e também criamos para explicar e nos confortar quando aqueles números se calam, ou quando ainda mal existiam, ou quando insistimos em delirar nas armadilhas do afeto e do futur'incerto.

Sem números, sem verbos, sem promessas d'início e sem profecias de onde vai s'enterrar. Deixo queimar.

domingo, 2 de agosto de 2015

Farofa úmida

Essa mania de revelar
o que mal se sabe explicar
– como quem queria
dividir alegria
e um quilo de preocupação,
ou como quem não dormia
porque não entendia
tamanha contradição.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Quem me dera

Quem me dera
ter prazer em coisa simples,
só pra poder
ver sabor em pão sovado,
ter calor em água quente
e um 'cado de riso em bate-papo.

Pois só quem tem prazer
em coisa simples
pode
ver riso em pão no papo,
sabor em água sovada
e um 'cado de calor quando bate o frio.

sábado, 22 de março de 2014

Morte em vida

Quando se está doente,
qualquer botão de camisa é remédio,
qualquer papel amassado é atestado
e qualquer casa vazia é um tédio.

Quando a doença se instala,
não há flor que se cheire,
livro que se estude
e queijo que se saboreie.

Estar doente é um convite a um mundo triste,
um lembrete de que a saúde é mole
e um sinal de que o fim existe.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Consciência

Porque refém do que vejo,
ouço e cheiro,
em busca do ponto vagueio.

E tal como Hipátia, de Alexandria,
que só cultivav'amor à filosofia,
e mal como Kátia, mãe do que sou,
que no peito e no aperto me acalentou
caminho do erro ao acerto,
e, certo de que outrora erro,
contenho a vontade de excretar o berro.

Por ora, a rigor ou a esmo, sou um ponto em que o Céu percebe a si mesmo.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Mais pesado que o céu


No início da minha adolescência, eu queria ser como Kurt Cobain (1967-1994), vocalista da banda Nirvana. Cabelo meio longo, guitarra virada, corpo magro, humor melancólico camuflado, um bocado de berros, rebeldia e raiva -- isto foi o que consegui ser. A fama, as drogas e a depressão não entraram no set, mas eu sempre desejei o primeiro item, fui reticente em relação ao segundo e contava com a sorte para não trombar com o terceiro.

Meu encontro com Cobain nasceu de um acidente. Um primo meu teve sua camisa molhada por refrigerante, precisando ir à sua casa para trocá-la. Fui até lá com ele, e, enquanto o aguardava, colei minha orelha numa música que mudaria minha vida: a versão acústica de Come as you are.

Quando Matheus me apresentou ao Nirvana, por volta dos meus treze anos de idade, eu encostei minhas chuteiras e decidi ser um astro do rock. Ser jogador de futebol poderia me trazer prestígio e dinheiro, mas eu não era bom em expressar minha raiva em campo -- pelo contrário, e a despeito de eu ter sido um dos garotos mais habilidosos da região, minhas pernas costumavam bambear de medo em dias de jogo.

Come as you are foi perdendo espaço para as músicas mais carregadas, e era notável o quanto minha mãe não gostava disso. Recordo-me bem de quando ela disse que Thiago e eu poderíamos escolher qualquer CD na prateleira da loja Acústica, a não ser que fosse algum do Nirvana. Saí de lá sem nenhum CD, e a raiva que senti parece ter me aproximado ainda mais de Kurt -- ídolo que passei a defender contra críticas e gozações eventuais.

Fiz as pazes com um garoto da vizinhança que quase me bateu outrora, e não foi muito difícil convencer seu primo a se integrar à banda. Em poucos dias, D2, Bolinha e eu estaríamos ensaiando Breed para tocar no festival do colégio. O som do evento estava baixo e, naquela época, eu não gostava muito de policiais, e é provável que minha irritação, então expressa por palavras sórdidas no microfone, nos tenha custado uma colocação ruim entre as bandas.

Eu não me recordo por que, mas aos poucos fui me desvinculando da ideia de ser como Cobain. Os jogos de computador, as garotas e as bandas alternativas que eu comecei vagarosamente a conhecer podem ter me corrompido, e a ideia de morrer aos 27 anos passara a ser ridícula.

Hoje, com meus 26 anos, pretendo viver por muito mais tempo. Quero voltar a jogar alguma coisa e espero prosseguir desejando a mesma mulher pelo resto dos meus dias. Continuo expandindo meu conhecimento musical a passos de lesma, mas gosto das novidades e não esqueço do que está enraizado. 

Por falar em raiz, desconfio que estou chegando perto de entender por que Kurt, com suas canções, mexeu tanto comigo. As coisas mudaram muito ao longo desses treze anos, mas ler sua biografia (Cross, 2002) me fez despertar coisas que pareciam estar adormecidas. Acho que essa sensação vai passar logo, e a certeza de que eu não quero mais ser como ele me traz tranquilidade. Mas parece que um pouco de mágoa, insegurança e incertezas ainda ecoam silenciosamente -- essas coisas que nos fazem querer mostrar ao mundo alguma coisa e ficar desesperados para agarrar, sem deixar escapar, a sorte de um amor tranquilo.


Referência

Cross, C. R. (2002). Mais Pesado que o Céu: uma biografia de Kurt Cobain. São Paulo: Globo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pra variar

Pois, se variar o par,
meu amor vai variar
-- e não há quem me convença
que basta eu firmar a crença
pr'eu então me acostumar.