segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Cacos e ladrilhos

Prefiro lentamente, a voz suave, os passos alinhados.
Mas aí vem o carnaval, agita o coração, irrompe o grito e desalinha o caminho.

Prefiro quieto, a pessoa querida, o assunto otimista;
pois de lá o cenário é previsível, audível e, quando confuso, superável.

— Deita na rede, descansa os pés, abraça o sossego.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Do diário de amanhã

Acordei animado, tive aula de pintura e comprei um aquário — sempre gostei de peixes. Tomei minha vitamina de açaí, fiz uma laranjada e descasquei mandioca. Mamãe e papai vieram do sítio.

Terminei de escrever um texto para o jornal da cidade. Fui sondar em que pé estava a reforma do meu consultório. Se os negócios continuarem bem, logo comprarei meu apartamento.

Heloísa e eu corremos ao entardecer. Pairaram-nos planos atípicos para o ano vindouro. Jantamos para comemorar.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

(...)

Procura o eterno, o derradeiro, corre como quem não alcança. Mesmo que haja, daqueles que ficam até a morte, não escapa a solidão e o receio. Não é o tempo.

Encontra aconchego, segurança e sexo. Acorda e deixa partir sem entender. Não é negligência.

Tenta escrever, perde as palavras e as chaves, a calça deixa caída e a pia, entupida. Não é caos. Caos é palavra de uma só pessoa.

Cai lento, deita na poeira, aguarda socorro.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Para que a paixão não cesse

Até quando uma jarra de café trará o mesmo sabor, o mesmo tom, a mesma emoção? Até quando continuarmos a usá-la pelos mesmos meios e para os mesmos fins? Que tal lancharmos no chão, na cama, no banheiro? Que tal reinventarmos a vida a cada sol que desponta no céu?

Wish you were here

Entre vales e picos passa o corpo caído e erguido, como que dormindo e acordando, não obstante os ruídos da rua que marcam o espaço, partindo e voltando no tempo. Lembrou-se do cigarro, do banheiro público, do receio propulsor do trabalho e do sexo. Quase maníaco. Deita o álcool que cessa. Quase deprimido.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Noite com mais um Zaratustra

Não estive só ao fazer a subida. O sol, quente que esteve, queimou algo mais que o meu rosto branco. Mais tarde, com frio, me aqueceu a esperança de descer e reproduzir o que vi lá de cima. Aqueceu a eles também, em tempos e lugares distintos — e tiverem esse mesmo desejo.

Lá embaixo, em meio ao rebanho, os que me ouviram abriram riso. Decidi recolher-me aos que beiravam o morro, aos mais virtuosos e sagazes que jamais encontrara. Depois de incontáveis brigas, nos agregamos ao outro rebanho e nivelamos vales e picos mediante uma única voz: o amor. E a paz reinou até o momento em que começamos a desafiar de novo a ignorância.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mais uma volta

Agora — mais próximo do aconchego pródigo, do ouvido limpo e dos canais. Essa casa que me acalenta o corpo, porém arrebenta o nariz, me traz de volta ao ninho do canto, da comida boa. As espinhas abaixam, o cabelo se ajeita, a vontade de ficar me toma a cabeça. Como poderia ser diferente? Os bichos caseiros me querem com olhos e boca, e eu os quero com devido respeito — e cautela. Já não parece quem me fez desacreditar, chorar, partir... Pois já não sou quem desacreditou, chorou e partiu.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Só diz

que vai aguentar o sufoco,
a sonolência mórbida
de quem foi aterrado
pelo tempo
— por si mesmo.

Não diz
que estou correto,
que descrevo com clareza
o que se passa ao redor.

Diz que
me esqueci de acordar;
diz que
vai passar.

Do relógio ao psicológico

Se toda a trama da vida se assenta nas emoções, todo o sentido a elas atribuído é dado pela consciência. Mas não há sentido sem tempo, e não há tempo sem consciência. Qualé a emoção necessária para se antever os fatos? Qualé o sentido do agora — esse sentido escasso que se esvai por falta de tempo?

Por que escrevo

Me escorregam entre os dedos os versos que falam da beleza da vida. Me custa muito discorrer sobre saúde, estética e amor-vivido — essas coisas que não se definem problema. Falo do que me escapa, da falta que me ameaça. Falo porque me organizo em ato — como quem busca um ponto final.

sábado, 12 de setembro de 2009

Até amanhã

Pois foge dos meus braços bravos,
esfria, seca a boca e aquece as pernas
para as ruas nuas.
Já não é hora
de eu querer que o tempo
e o lugar e o humor
sejam todos só meus.

Sinto e falo com os olhos
que vejo o mundo.
Sinto que olho de formas
só minhas.
Não podendo mais mirar
para as mesmas piadas,
tudo o que resta é partir.

Coisa de gente

Quando quase tudo tem forma de gente
e eu pedindo que cale,
fala o mundo com vontade própria
— como se eu fosse coisa.

Mas sou tão gente quanto
as coisas que parecem gente.
Não só porque as vejo assim,
mas sobretudo porque falo delas.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Na triste fila do pão

Cá estou comigo mesmo. Vezes de dor e de espera. Teus seios não estão mais nas minhas mãos. Tenho um pão quente, um bom suco de caju e algumas músicas do Chico.

Você diz que sou descuidado, que não meço as palavras, que lhe falto um bom abraço. E quando faço assim, bem pouco daquele amor faz sorrir.

Já não sou bom com os números. Quando foi que começamos? Quanto mede o seu amor? Quantos amores podemos ter?

Ainda tem um pão na mesa. O que passou, passou e a gente nem começou a passar.

sábado, 25 de julho de 2009

Passos passados e passantes

Passei pelos poetas que não sabem amar, pelo ciumento que castra amizades, pela tia que decidiu perdoar o marido infiel. Mas não é falta de amor; não é ciúme; nem é infidelidade. Passei também por Cazuza — tantas bocas e drogas e sonhos! E ainda passo por Freud e Charles Darwin, para quem os enigmas existem e podem bem ser desvelados! Mas não é a promiscuidade e a rebeldia jovem; nem é a curiosidade intelectual insaciável. Passo por quem já sabe o que quer. Passo por onde nunca quis estar.

Mas qual é o problema do casamento? Aliás, ele está tão longe e é decerto incerto! Passei pelo príncipe solteiro mas não encontrei princesa alguma. Logo me contaram que eu nasci na pós-modernidade. Aqui as pessoas vêm e vão. Já não existem meninas virgens e virtuosas, e os que se pretendem príncipes não sabem provar o que há de melhor por aí.

Embora pudesse, não passei pelos garotos de programa. Com excessão de alguns carnavais, sempre dei prioridade àquelas com quem meus ouvidos pudessem receber mais elogios. Foi quando passei por Deus, a figura sobrehumana esculpida por nós, bichos demasiado humanos. E meu reinado durou tempo suficiente para eu perceber que os benefícios de ser belo, virtuoso e todo-poderoso não compensavam o peso dos custos! Custava-me muito, confesso, manter as máscaras que me escondiam a face suja, desesperada.

Daí passei pelo budismo, pelo tabagismo, pela estrela do rock. Passei por tantos que ainda hoje me pergunto quem sou. A sorte é que sei o que quero. E, ainda que o queira como nunca fiz na vida, nem tudo se condensa no amor. Quero ainda passar pelo Shakespeare apaixonado, e quero tantos outros que nem sei se me sobrará tempo para passar pela morte.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Força pra gente

Leva a balada meus pensamentos fugidios. O sentimento fica. Não que tivesse de partir... mas fica.

Fica aqui do meu lado, fica. Me fala que é tudo sonho. Me fala que Deus está de brincadeira de novo. Me beija como mamãe nunca fez.

Do que já me esqueci, tento lembrar. "Recordar é viver", já dizia o povão — e com razão! Mas sei bem que memórias mudam com o tempo. E as pessoas também.

Quero não deixar isso tudo partir. Quero cercar a alegria de uma manhã de domingo. Então me acorda todo dia. É disso que quero lembrar. Ser só isso.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Abre-e-fecha

Aqueles sentimentos-sem-nome; aquele desligamento do fluxo, da identidade — o caos necessário para que se consolide um novo arranjo.

Não largo mão da idéia de que as coisas se ajeitam. Ainda sei ser otimista. Não quero mais fumar... Tenho bebido menos (sobretudo por causa do remédio contra as espinhas)... Mas é necessário que se termine um parágrafo com um "mas" — faz parte do otimismo.

E volto a repetir, senhor: o amor é o sentimento mais subversivo que já ousou pousar no meu coração! Não estou falando de paixão, não — sei muito bem ser egoísta! Estou falando de cuidado, apreço, zelo e proteção voltados a um terceiro... Estou falando de sentir que essa dedicação é merecida — que só temos a ganhar ao compartilhar carinho, incentivo, problemas e sonhos!

Quero tirar essa couraça que me fecha do mundo. Quero não me envergonhar mais das minhas espinhas-de-peito, dos meus dedos tortos, do furor da minha libido! Quero poder nomear e enlaçar esses fragmentos que me tiram dos trilhos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

E quero manter a paz de não me preocupar tanto...

Quero me permitir não ser tão certeiro, calculista, perfeito. Quero cuidar como um pai que não espera em troca mais do que já tem.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

All you need is love

Sim, Lennon, sei que amor é tudo de que precisamos. Mas já parou para pensar quantos significados essa palavra tem? Talvez existam tantos significados para o rótulo "amor" quanto existem pessoas no mundo! Sentimentos não podem ser — universalmente — tão bem definidos quanto casa, cachorro e árvore — você sabe.

Mas há algo em comum em se tratando do amor. Quer dizer, há algo em comum nas diversas formas de se amar, de se sentir o amor. E há uma linha da psicologia que parece retratar, oportunizar e se instrumentar das condições que molduram esse sentimento. Não é por acaso que ela, a terapia centrada na pessoa, semeada pelo humanismo, é não raro taxada de romântica (até mesmo utópica!). "Que condições são essas?", você perguntaria a mim. Elas são nada mais que posturas, que maneiras de se colocar em relação ao outro. É uma espécie de envolvimento, de entrega ao mundo daquele que se abre a nós — entrega que não se confunde com "identificação", com simbiose (dois seres tornarem-se um). Sucintamente, é uma relação permeada de aceitação, empatia e congruência.

Se não há empatia, não há amor. A paixão, por outro lado, e dentro do significado que lhe guardo, carece substancialmente de empatia, uma vez que o propósito primordial desse estado de espírito consiste em satisfazer imediata e incondicionalmente os desejos do apaixonado. A empatia, por outro lado, é o movimento de se colocar no lugar do outro, de compreender a maneira com que o outro percebe e vivencia situações, sentimentos, opiniões. Caso ela se ausente, tem-se normalmente o que conhecemos por egoísmo.

Hoje, em sala de aula, contemplamos uma atmosfera inefavelmente pintada de amor. Foi uma pena contarmos com tão poucos alunos presentes. Por outro lado, talvez a presença de todos inviabilizasse o que foi vivenciado.

Quero deixar um grande abraço ao professor Walter Parreira, que desde o ano passado tem trazido mais alegria, simpatia e amor para as minhãs manhãs (para as nossas manhãs, se é que posso generalizar). E outro forte abraço a todos aqueles que acreditam que o mundo pode ser muito melhor do que é! — Basta acreditarmos...

sábado, 23 de maio de 2009

Abrindo

O olhar do outro adoece. O olhar do outro enclausura a espontaneidade mais aprazível de que podemos gozar. Tanto melhor quando estamos a sós com a nossa loucura.

É bem certo que eu esteja enganado. Somos também responsáveis pelo enclausuramento que encerra nossa espontaneidade.

— Tanto melhor quando extirpamos a vergonha. Tanto melhor quando compartilhamos loucura.

domingo, 17 de maio de 2009

Das idas e vindas

Pode soar contraditório, mas minha liberdade advêm do policiamento e disciplina que aplico a mim mesmo. Já cantaram sobre isso, você sabe. Mas pode mesmo acreditar: disciplina é liberdade!

Meu coração é muito rebelde. Desde cedo, lá no Colégio Tiradentes, alertaram-me sobre a minha carência. Ouvir isso foi o que me custou ter imitado os gestos opressores de um policial militar. Mas ele, a disciplina dele, aquilo lá não é liberdade, não! Pode ser, admito, que atualmente suas palavras tenham se tornado verdade. Engraçado pensar: verdades e amores só se concretizam quando não há conflito entre as partes! Acho que — na maioria das vezes — essas partes não são nada mais que pessoas — duas ou mais! No meu caso, contudo, a verdade acerca da minha "carência" foi posta por mim mesmo. Flagrar algumas de minhas percepções distorcidas sobre a intenção dos meus amores desencadeou uma série de análises e conclusões surpreendentes. Em razão disso, tenho estado mais atento às tormentas que sacodem o meu estado de espírito. E sabe o que acabei descobrindo? O amor é a coisa mais subversiva que já ousou pousar sobre o meu coração!

Tudo bem: nunca o provei por inteiro! Nunca tive a coragem de experimentá-lo sem pudor, sem receio... Nunca o beijei sem um escudo e uma espada nas mãos!

Pensando bem, o que me apavora não é exatamente o amor. Você conhece bem os meus devaneios: final de semana no sítio, filhos, café e um violão. Você sabe o quanto me felicito em momentos em que somos o mundo inteiro! O quanto rio infantilmente quando te tenho em desejo, em satisfação... E quando, só com os olhos, você diz que me quer!...

Só queria poder te visitar mais. Queria saber por que bares e ruas tem passado. Só te encontrei duas ou três vezes na vida, como que encarnado naquelas garotas. Vai ver, como cantou o poeta, eu só não te vejo porque fico esperando que você caiba nos meus sonhos. E isso, segundo ele, é coisa de quem não sabe amar.

sábado, 16 de maio de 2009

Amanteigado


Não há ninguém melhor para falar sobre a loucura que o próprio louco. Os cientistas conhecem tanto a loucura quanto os padres entendem de relações conjugais. (Veja que o que precede isso é uma generalização. Não há por que esconder das criancinhas que muitos padres já brincaram de Michael Jackson. E não há dúvida de que os grandes gênios e os loucos partilham versos de um mesmo discurso.) Certo: classificamos e sistematizamos bem o conhecimento proveniente disso a que chamamos loucura. É diagnóstico fenomenológico — não tem segredo! Agora, empatia nenhuma consegue vislumbrar o que é vivenciar um delírio! Empatia nenhuma consegue pescar cada fragmento dessa esquizofrenia! E mesmo ajuntados, como num arroz a grega, esses fragmentos não erigem nem de longe o que dizemos entender por sanidade!

Ah! Vai ver, essa história de fragmentação não é tal como citada nos manuais! Vai ver, um usuário de maconha entende muito mais de loucura que os próprios cientistas (não estou incluindo os gênios!). Vai ver, eu tô subestimando essa gente toda — inclusive os padres, que, sabemos, nunca se deitaram com ninguém.

Sei lá por que diabos esse tema me toca. Loucura toca quase todo mundo, né? De médico e louco... blá, blá, blá! Tô me cansando desse discurso! Aliás, tô me cansando desse biscoito de... de... amanteigado!

domingo, 10 de maio de 2009

Onde se põe o calcanhar de Aquiles?

Força? Coragem? Honra? — que eles têm que me prendem a atenção?
Amor? Audácia? Beleza? — que eles têm que eu não tenho?

Que fazem esses heróis com o meu coração? Ao vê-los, vejo a mim! Vivo dores, desafios, glórias! Vivo sonhos que me forram o sono...

Ah!, essa sede pelo poder — essa pretensão de me ter dono do próprio umbigo!
Autoconfiança? Sabedoria? Liderança? — que eles têm que eu poderia ser?

Heróis não são deuses, e o seu maior privilégio é a mortalidade. Os deuses invejam os homens por isso! — Um período razoavelmente curto para se fazer vitórias, derrotas, história; um período extraordinariamente curto para se viver mediocremente!

Que me torna medíocre, afinal? — Covardia? Fraqueza? Paixão?

— Torna-te aquilo que é! Homem, medíocre é o que tem feito consigo mesmo!

— Que tenho feito de mim, afinal? Que tenho feito daquilo que sou?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Os instantes

que antecedem o desconhecido, o final do túnel, o encontro com não se sabe quem... A expectativa de que não sejam as mesmas palavras, os mesmos abraços, o mesmo desfecho.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

É fato:

grandes mudanças surgem com o enfrentar de grandes dificuldades. Ainda que a esquiva adoce a boca dos mais covardes, nada como um pouco de fel para se elevar — para se alcançar o céu!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Momentos

Essa coisa de uma ponte se estender entre dois seres; esse porto seguro a que tanto sonhamos lançar âncora — essa comunicação inequívoca a que chamamos amor!...

Aquele afeto raro — a calma, o gozo, a desrealização! Momentos em que somos contagiados pelo riso bobo, pela leveza de se deixar levar pela excelência da alegria... como se fôssemos simples e agradavelmente crianças!

E a cidade e o pai, que pedem que sejamos adultos — essa pós-modernidade que esvaneceu, que descoloriu o amor!

terça-feira, 14 de abril de 2009

sábado, 11 de abril de 2009

Sobre a humidade do humor

Porque o amor não é flor que desabrocha em qualquer estação... nem é planta que se cultiva em solo qualquer. O amor não é fruto que se colhe de qualquer maneira... nem se deixa abocanhar por qualquer mulher.

Se não há quem o cultive, extinguir-se-á. Se não há quem o colha, murchar-se-á. Se não há quem o coma, pela terra será comido! — Porque há sorte que o faça brotar... e há tempos, terras e bocas que o façam reinar!

Se assim não for, coitado de mim, o que faço é me enganar.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Liberdade

Liberdade é o movimento raro de deixar de ser quem somos... mesmo que só por alguns instantes. Ela se expressa na flexibilidade, na des-construção que precede a re-construção. A liberdade nos dá a sensação de que estamos à parte das leis naturais, das contingências que dirigem o corpo e a autoconsciência.

Mas ela está, como todas as coisas, submetida às ordens daquilo que nem podemos imaginar.

quinta-feira, 26 de março de 2009

A identidade do efêmero


Cadê os berros de Cobain? o canto-jovem dos hermanos; as notas que lubrificavam o corpo e a alma... — cadê?
Os desenhos de infância; a bicicleta azul, a espada dos gatos; os coleguinhas-de-rua e a mãe que cuidava do que era insalubre... — cadê?
O cigarro, que não libertou nem aprisionou; e o sexo, que trouxe o susto, provou-se pecado e abriu as portas do céu... — cadê?
A inteligência e a sabedoria, que por pouco não massacraram o amor... e as certezas acerca do homem, da vida... — cadê?
Cadê o esporte, que pediu que fosse atleta, que não bebesse... que compreende a arte e a disciplina... — cadê?

Eu-mesmo, longe de minhas paixões, de meus referenciais... e desgarrado de tudo o que insiste em se enraizar, em me definir... — cadê?

terça-feira, 24 de março de 2009

Traduzindo o intraduzível

Essa mania de pensar que não é tão simples assim. Que há sempre um porquê do porquê. Que causas antecedentes determinam causas iminentes. Que causa seja um conceito causado por uma lógica ainda mais minuciosa, uma lógica mecanicista. Que raciocínios mecanicistas obedecem à uma mecânica inerente, imanente, que extrapola quaisquer tentativas de compreensão.

Essa mania de sentir que poderia ser melhorado. De não contentar com o que se tem, nem com o que se sente, se pensa... tampouco com o que se é! Essa busca insaciável pela completude, pela perfeição, pela imortalidade. Essa falta de paz, de Deus, de amor.

Esse prazer oriundo da angústia, da caçada-sem-fim, do eterno vir-a-ser. Essa vontade de potência, de conquistar o não-querer. Esse privilégio de se apoderar da própria vida, de planejar a própria morte! Esse gostinho de que assim é que vale mesmo a pena...

Das ruínas ao triunfo, um Eterno Retorno. Da dúvida à convicção, a flexibilidade. Das virtudes às paixões, liberdade!

— Sabe-se, contudo, que nada disso é verdade.

domingo, 22 de março de 2009

Do aceitar ao sustentar. Do desejo ao medo.

Não me canso de tentar. Depois que se conhece o céu, o resto é só resto! E vale a pena o esforço, a escalada. A mediocridade da vida reside na distância entre os fragmentos que compõem quem somos. A palavra esquizofrenia bem poderia expressar essa característica dos pobres em autoconhecimento, os desarranjados, os desequilibrados. Os ditos esquizofrênicos são, na verdade, mais mergulhados em si do que essa banda de neuróticos.

Ah!, se eu tivesse mais coragem de me ver pelo avesso! E quando o faço, como me dói a proximidade discordante das diversas porções que me constituem!

Mas o amor, o céu, ele não se repousa num só lugar, num só tempo. O amor é fruto da concórdia, do encontro, da sensibilidade; e é inerente a quaisquer relações traçadas diariamente... — desde que capazes de enlaçá-las e sustentá-las com agrado e concordância.

Mas temos medo de toda essa grandeza! Melhor, temos medo de aceitá-la, prendê-la, perdê-la!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Corre, tempo... corre!

"Aprender a dar foi o que ganhei."

E trouxe comigo a mão que vai me fazer lembrar que o tempo, volátil que tem sido, e mais ainda quando se abraça com Liberdade, em praça ou em se tratando do interior, o tempo não pede que a gente se apresse.

domingo, 15 de março de 2009

...

Diz que vai me fazer acostumar com a sua presença. Diz que não se importa com o meu balanço-meio-sem-jeito, todo indeciso, hesitante, que tenta imitar o seu riso.

Só não diz que minha preocupação é por coisa pouca.

quinta-feira, 12 de março de 2009

No canto da esquina


Há muito não sentia tanta pena de um mendigo. Foi que ele se parecia comigo. All Star nos pés, barba grande, cabelo liso. Tava todo encolhido; segurava uma vasilha nas mãos.

A gente se toca quando as coisas se encontram. Nem toda miséria é tolerável.

sábado, 7 de março de 2009

Do vazio para a solução

Tô me sentindo muito à parte desse mundão todo. Enquanto viajava, vendo o mato quase intocado que entornava a rodovia, pensei em como seria agradável fundir minh'alma com aquilo tudo... esquecer toda a vaidade, ganância e ignorância que convive comigo — perto e dentro de mim.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sem precisar seguir

Não é todo dia que eu sigo a minha alegria. Cê sabe, me preocupo demais. Mas hoje nem mordi o lado de dentro das minhas bochechas. Nem quando vi o passado passar.

Acho que já estou me aconchegando nessa vida nova.

domingo, 1 de março de 2009

Já é hora

O acordar voltou a me fazer outro. Sou tantos que nem vejo o tempo passar. Mas ele não corre mais que minha vontade de tornar-me um. E como a vontade fica, é nela que me identifico.

Cansei de me mudar... de dizer que foi por causa da alergia, do barulho, do tipo de família. Quero um berço e uma mãe que me faça elogios, e quero ajudar nos afazeres do lar.

Mas tô voltando a me reencontrar no espelho. Ontem saí com o pessoal da rua. Tocamos violão e comemos sanduíche. As mesmas baladas que me rejuvenesciam.

— Amanhã serei homem de novo.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Quando

te ver em braços outros, vai sentir que estava certo sobre o que temera. Mas engana-se, decerto — é só uma brecha para que não se arrependa de tê-la deixado cair.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Sofá, escada, caminho-de-volta

O carinho-de-mãe que lhe foi tirado tão cedo; as palavras que lhe trazem saudade; aquele pedaço de pele que lhe evoca o desejo... e as mãos que se abraçam como quem não quer saber do amanhã.

Mas o amanhã existe. E a força do desejo, como num sonho intenso que não se deixa cumprir, fez com que se levantasse daquele sofá, sem olhar nos olhos, sem beijar a boca que tanto pedia silêncio.

— Preciso ir embora — disse, caminhando em direção à porta.

— Você quer ser uma lenda? — como se estivesse lembrando do que lhe haviam dito, temendo talvez o renascimento daquela vaidade narcísica.

— Não... Não mais. Não quero honrarias póstumas. O que quero é amar e ser amado...

E desceu as escadas... assistido por quem lhe dedica tanto amor.

— Você não olha pra trás? — perguntou-lhe, depois de já tê-lo perdido de vista.

— É mais fácil quando não olhamos...

E avistou tudo o que estava deixando distanciar — todos aqueles bons momentos; aquela história; uma trajetória que se fez em conjunto, guiada pelo desejo recíproco de se querer o bem — o próprio bem! Mas já não sabe qualé o caminho mais curto para a felicidade. Nem sabe se o amor ainda se faz.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Reescovar os dentes


Sou sufocado pelo desejo de me expandir, dado que o desejo me evoca a lembrança de tempos em que a expansão me foi proibida, repelida; de quando gozar, por se vestir de pecado, trazia-me culpa e sofrimento.

Como, afinal, construir uma ponte entre nós dois? Como me expandir até você, meu amor?

Parece que eu já me esqueci de mim... e é mais difícil quando não se encontra a si mesmo... quando estamos cansados demais para reparar os estragos que ameaçam ruir as bases da ponte.

Que diabos é o amor? Que diabos é a liquidez desses abraços longos e confortáveis — abraços que não sufocam?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Heim?

Cadê minha caixinha de inspirações? Cadê aquela fome pela vida, pela grandeza, pelo desconhecido? Cadê... cadê minha vontade de escrever?