quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Mais pesado que o céu


No início da minha adolescência, eu queria ser como Kurt Cobain (1967-1994), vocalista da banda Nirvana. Cabelo meio longo, guitarra virada, corpo magro, humor melancólico camuflado, um bocado de berros, rebeldia e raiva -- isto foi o que consegui ser. A fama, as drogas e a depressão não entraram no set, mas eu sempre desejei o primeiro item, fui reticente em relação ao segundo e contava com a sorte para não trombar com o terceiro.

Meu encontro com Cobain nasceu de um acidente. Um primo meu teve sua camisa molhada por refrigerante, precisando ir à sua casa para trocá-la. Fui até lá com ele, e, enquanto o aguardava, colei minha orelha numa música que mudaria minha vida: a versão acústica de Come as you are.

Quando Matheus me apresentou ao Nirvana, por volta dos meus treze anos de idade, eu encostei minhas chuteiras e decidi ser um astro do rock. Ser jogador de futebol poderia me trazer prestígio e dinheiro, mas eu não era bom em expressar minha raiva em campo -- pelo contrário, e a despeito de eu ter sido um dos garotos mais habilidosos da região, minhas pernas costumavam bambear de medo em dias de jogo.

Come as you are foi perdendo espaço para as músicas mais carregadas, e era notável o quanto minha mãe não gostava disso. Recordo-me bem de quando ela disse que Thiago e eu poderíamos escolher qualquer CD na prateleira da loja Acústica, a não ser que fosse algum do Nirvana. Saí de lá sem nenhum CD, e a raiva que senti parece ter me aproximado ainda mais de Kurt -- ídolo que passei a defender contra críticas e gozações eventuais.

Fiz as pazes com um garoto da vizinhança que quase me bateu outrora, e não foi muito difícil convencer seu primo a se integrar à banda. Em poucos dias, D2, Bolinha e eu estaríamos ensaiando Breed para tocar no festival do colégio. O som do evento estava baixo e, naquela época, eu não gostava muito de policiais, e é provável que minha irritação, então expressa por palavras sórdidas no microfone, nos tenha custado uma colocação ruim entre as bandas.

Eu não me recordo por que, mas aos poucos fui me desvinculando da ideia de ser como Cobain. Os jogos de computador, as garotas e as bandas alternativas que eu comecei vagarosamente a conhecer podem ter me corrompido, e a ideia de morrer aos 27 anos passara a ser ridícula.

Hoje, com meus 26 anos, pretendo viver por muito mais tempo. Quero voltar a jogar alguma coisa e espero prosseguir desejando a mesma mulher pelo resto dos meus dias. Continuo expandindo meu conhecimento musical a passos de lesma, mas gosto das novidades e não esqueço do que está enraizado. 

Por falar em raiz, desconfio que estou chegando perto de entender por que Kurt, com suas canções, mexeu tanto comigo. As coisas mudaram muito ao longo desses treze anos, mas ler sua biografia (Cross, 2002) me fez despertar coisas que pareciam estar adormecidas. Acho que essa sensação vai passar logo, e a certeza de que eu não quero mais ser como ele me traz tranquilidade. Mas parece que um pouco de mágoa, insegurança e incertezas ainda ecoam silenciosamente -- essas coisas que nos fazem querer mostrar ao mundo alguma coisa e ficar desesperados para agarrar, sem deixar escapar, a sorte de um amor tranquilo.


Referência

Cross, C. R. (2002). Mais Pesado que o Céu: uma biografia de Kurt Cobain. São Paulo: Globo.